O Brasil como um país marcado desde
sua origem por uma “ocupação para exploração” passou por vários ciclos de
exploração de recursos naturais, pautado na alternância entre o ápice econômico
e a queda e falência. Foi assim com o pau-brasil, a cana-de-açúcar, o café e
outros produtos. Na Amazônia houve e continuam a existir vários ciclos: as drogas
do sertão, o ciclo da borracha e, mais recentemente, os minérios e a madeira,
entre outros. Estes ciclos, em geral, têm diversas características em comum:
são predatórios nas formas e processos de exploração, favorecem o
enriquecimento de poucos e deixam poucos benefícios para os locais. Mas será que tem que continuar sendo assim em pleno século XXI?
Ourém, como um município pertencente
há uma das fronteiras de ocupação mais antiga da Amazônia brasileira, não ficou
alheia e experimentou o amargo sabor desse modelo predatório de uso e
exploração dos recursos naturais. O município viveu o ciclo de exploração de
peles de animais silvestres e, principalmente, da madeira. Este último
basicamente liquidou todo o estoque madeireiro do município. Mas agora o buraco
é mais embaixo: ultimamente Ourém vem passando pelo que parece ser seu ciclo de
exploração mais predatório – o ciclo da exploração de areia e seixo.
Assentada sobre uma das maiores
jazidas de seixo do estado e acompanhando o aquecimento da indústria da construção civil
no estado, Ourém afunda-se enquanto ajuda a promover o erguimento dos grandes
prédios de Belém. E se amanhã, quando o seixo acabar, olharmos para trás e
perguntarmos em que o seixo contribuiu para o desenvolvimento do município, qual
a resposta que você daria? Como os outros, o ciclo do seixo tem data para
terminar, pois os recursos são finitos localmente. Se seguirmos com o modelo
atual de exploração, já temos a resposta para a pergunta acima: o seixo serviu
apenas para o enriquecimento de poucos, na maioria empresários de fora do
município, destruição das riquezas naturais, como as florestais secundarias e
fontes d´água e igarapés, provocou o assoreamento do rio Guamá, deixando no seu
rastro estradas esburacadas e adolescentes grávidas nas diversas vilas da rota
do seixo. Esta será a herança socioambiental da exploração de seixo para Ourém,
se um novo modelo de exploração respeitando critérios e a legislação não for
implementado no município.
Os métodos de exploração atual são
predatórios e arcaicos e não atendem as exigências da legislação vigente para a
mitigação e adaptação de impactos ambientais. No geral, as seixeiras operam em
situação de ilegalidade e existe pouca, ou nenhuma, governança do estado na
fiscalização e regularização de licenças. Tampouco são atendidas as exigências
de segurança do trabalho, tanto para os funcionários das seixeiras em si quanto
para os motoristas dos caminhões caçamba, que por trabalharem dirigindo por muitas
horas diárias provocam vários acidentes fatais na PA 124, por dormirem ao
volante em consequência do cansaço e do excesso de trabalho.
A primeira foto abaixo mostra um evento acontecido
na semana passada em um das seixeiras ilegais no município. Com as fortes chuvas
na região, uma das barragens rompeu-se liberando toda a sujeira acumulada pela
lavagem do seixo para um igarapé, do qual dependem mais de 300 famílias da
comunidade.
A segunda foto mostra como o igarapé Cafeteua, literalmente dentro da cidade, está sofrendo com os impactos da exploração predatória do seixo e argila, sendo virtualmente “engolido” pela falta de respeito à sua Área de Preservação Permanente (APP), conforme a legislação ambiental determina. Se a exploração de seixo dentro da cidade está assim, não fica difícil imaginar o que está acontecendo nas áreas mais distantes. A terceira foto abaixo mostra o transporte de seixo saindo das estradas vicinais do município a caminho de Belém.
Recentes mudanças políticas apontam
para um cenário propositivo de enfrentamento desses desafios, buscando
conciliar o interesse econômico da indústria do seixo com as crescentes
necessidades de preservação e restauração das matas ciliares e fontes d´água. É
imprescindível que gestores locais, diferentes instituições de governo do estado
e empresários ligados a indústria do seixo estabeleçam um diálogo para promover
alternativas com bases sustentáveis para a indústria do seixo no município. É
necessário criar e implementar um “pacto
pela produção responsável de seixo”.
Este pacto deve construir uma agenda
propositiva que conduza ao fortalecimento da indústria através de métodos e
processo de exploração limpos, e estabeleça melhores critérios para sua normatização
e regularização, e para a mitigação de impactos socioambientais. No contexto deste
pacto deve-se estipular um período para a adequação da atividade, com o governo
fortalecendo aqueles empresários que valorizem a legalização da atividade,
promovendo a exploração responsável do seixo e areia. As que não procurarem se
adequar, e quiserem permanecer na ilegalidade, a sociedade local deve
denuncia-las aos órgãos competentes de governo.
Iniciado este processo, o governo
municipal deve garantir que os impactos sejam mitigados, e que se estabeleçam projetos
para restauração de danos já ocorridos, através de iniciativas de recuperação
de nascentes e recomposição de Áreas de Preservação Permanente nos igarapés e no
Rio Guamá. Empresários locais e a Sociedade Civil Organizada devem ser partes atuantes
neste processo. Trazer a atividade de exploração de seixo e areia para a
legalidade deve representar uma oportunidade para a promoção do desenvolvimento
local, valorizando o papel econômico da indústria do seixo, quem sabe até
criando preços diferenciados para os produtos no mercado. Deve, ainda, equacionar
os vários impactos ambientais vigentes, bem como originar benefícios econômicos
para que a prefeitura municipal possa ter receitas para investir nas ações de mitigação
dos impactos sociais da atividade, promovendo melhores
condições de saúde, como por exemplo, para os trabalhadores envolvidos na
atividade e a comunidade em geral.
A construção deste pacto depende
fundamentalmente da disposição dos diversos atores envolvidos nas atividades extrativas
para o diálogo, sinalizando uma clara vontade de mudança. Assim, Ourém estará
dando passos importantes na construção de um futuro com bases sustentáveis. Em
seu recente discurso de posse, o novo prefeito municipal enfatizou por diversas
vezes que “os interesses individuais não podem se sobrepor aos interesses da
coletividade...”. A construção da agenda por um “pacto pelo seixo responsável” será um bom teste para este
compromisso; que deve ser pautado no diálogo em prol de uma Ourém melhor.
Estou na torcida!
Tomara que as instituições envolvidas não utilize a política do morde/assopra... tomara que as dívidas de campanhas sejam pagas em espécie e não com o aumento da degradação do meio ambiente, principalmente da nossa bacia do rio Guamá... Um alerta: O Cafeteua corre perigo de morte! fiquem atentos...
ResponderExcluirInteressante observar que as seixeiras operam há pelo menos duas décadas e Ourém não desenvolve, nem no sentido arcaico deste termo (empregos, infraestrutura, etc), tão pouco social e ambientalmente. A maioria dos empregos, e por conseguinte, da renda da população vem de três setores, do serviço público, do comércio ou da agricultura, mas das seixeiras mesmo somente alguns poucos empregados. Creio ser este um momento oportuno, se há de fato esta disposição dos gestores que assumem este mandato, para que Ourém cresça, organizando o setor e exigindo que se pague ao município o valor devido pelo seu bem, que não é renovável, e que essa espoliação tenha fim. Ourém, por um desenvolvimento socioambiental sustentável!
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